George Orwell e 1984: Como a Liberdade Morre
Produzido e publicado por Academy of Ideas.
Tradução do original em inglês, https://academyofideas.com/2017/12/george-orwell-1984-how-freedom-dies/, publicado em 30 de dezembro de 2017.
Os livros de George Orwell tiveram um aumento na popularidade na última década e por uma razão simples – as sociedades modernas estão se tornando cada vez mais parecidas com a distopia retratada no livro mais famoso de Orwell, 1984. Seja vigilância em massa, o uso incessante de propaganda, guerra perpétua, ou o culto da personalidade em torno dos líderes políticos, não é surpreendente que muitos vejam o romance de Orwell de várias maneiras como presciente. Dito isto, o Ocidente permanece muito mais livre do que a sociedade distópica de 1984, mas a tendência não é um bom presságio para aqueles que defendem uma sociedade livre. Orwell, de fato, acreditava que o totalitarismo do tipo que satirizou em seu romance era uma possibilidade distinta para o Ocidente e às vezes ele chegou a sugerir que pode de fato ser inevitável.
“Quase certamente estamos entrando em uma era de ditaduras totalitárias.”
George Orwell, Obras Completas – Volume XII
Neste vídeo, veremos o que causou o pessimismo de Orwell, focando em duas tendências em particular – o movimento em direção ao coletivismo e a ascensão do hedonismo.
Coletivismo é uma doutrina, ou um conjunto de ideologias, em que os objetivos de um determinado coletivo, como um estado, uma nação ou uma sociedade, têm precedência sobre os objetivos dos indivíduos. Socialismo, comunismo, nacionalismo e fascismo são ideologias coletivistas. Orwell acreditava que uma pré-condição para a ascensão do totalitarismo era o surgimento de uma estrutura social coletivista, pois isso permite a centralização do poder necessária para exercer o controle total da sociedade. A visão de Orwell sobre a conexão entre totalitarismo e coletivismo se mostrou intrigante, já que Orwell era um esquerdista ferrenho, um crítico do capitalismo e um socialista. Como poderia alguém que favorecia o socialismo, uma ideologia coletivista, ao mesmo tempo escrever um romance distópico que retrata uma sociedade coletivista de uma maneira tão horrível? Para entender sua posição, deve-se primeiro perceber que Orwell não considerava o capitalismo um sistema viável:
“Não é certo que o socialismo seja em todos os aspectos superior ao capitalismo, mas é certo que, ao contrário do capitalismo, pode resolver os problemas de produção e consumo.”
George Orwell, Obras Completas – Volume XII
O capitalismo era um sistema tão inadequado na mente de Orwell que, como muitos esquerdistas de sua época, ele acreditava que estava em seu leito de morte e logo seria substituído por alguma forma de coletivismo. Ele viu isso como inevitável. A questão para Orwell era que tipo de coletivismo tomaria seu lugar.
“A verdadeira questão… é se o capitalismo, agora obviamente condenado, deve dar lugar à oligarquia [totalitarismo] ou à verdadeira democracia [socialismo democrático]”.
George Orwell, Obras Completas – Volume XVIII
Após a morte iminente do capitalismo, Orwell esperava que o socialismo democrático fosse adotado no Ocidente. Socialistas democratas, como Orwell, defendiam uma economia centralmente planejada, a nacionalização de todas as principais indústrias e uma redução radical na desigualdade de riqueza. Eles também eram fortes defensores das liberdades civis, como liberdade de expressão e liberdade de reunião, que eles esperavam que pudessem ser mantidas em uma sociedade que privaria as pessoas de suas liberdades econômicas.
O problema, entretanto, com o qual Orwell e outros socialistas tiveram que lidar, era a falta de exemplos, tanto no passado quanto no presente, de países que adotaram com sucesso o socialismo democrático. Pior ainda, os estados que se voltaram para o coletivismo na primeira metade do século 20, como a Alemanha nazista e a Rússia soviética, estavam se tornando cada vez mais totalitários – eles estavam adotando o que Orwell chamou de coletivismo oligárquico, não socialismo democrático. O coletivismo oligárquico é um sistema no qual uma pequena elite, sob o disfarce de uma certa ideologia coletivista, centraliza o poder usando a força e o engano. Uma vez no poder, esses oligarcas esmagam não apenas as liberdades econômicas de seus cidadãos, um movimento que socialistas como Orwell favoreciam, mas também suas liberdades civis. Orwell temia que, após a morte do capitalismo, todo o mundo ocidental pudesse sucumbir ao coletivismo oligárquico. Esse medo era em parte devido à sua percepção de que o hedonismo estava em ascensão nas sociedades ocidentais.
O hedonismo é uma posição ética que afirma que o objetivo final da vida deve ser a maximização do prazer e a minimização da dor e desconforto. Em um Ocidente cada vez mais urbano e consumista, Orwell acreditava que muitas pessoas estavam estruturando suas vidas de maneira hedonística e isso não era um bom presságio para a liberdade da civilização ocidental. Um estilo de vida hedonista, segundo Orwell, enfraquece as pessoas, torna-as fracas e incapazes de resistir a ideólogos fanáticos que desejam dominar a sociedade. Este medo de Orwell provou ser infundado até este ponto. Embora o Ocidente, desde sua morte em 1950, tenha se tornado mais hedonista em muitos aspectos, isso não levou a que ditadores totalitários assumissem o controle. Em vez disso, Aldous Huxley, autor de outro famoso romance distópico do século 20, Admirável Mundo Novo, pode ter tido uma melhor compreensão de como as sociedades ocidentais se tornariam escravas no final do século 20 e início do século 21.
Huxley, como Orwell, era um anti-hedonista, mas sua aversão ao hedonismo era diferente da de Orwell. A principal preocupação de Huxley era que o hedonismo pudesse ser usado como uma ferramenta eficaz para oprimir uma sociedade porque as pessoas abririam mão da liberdade em troca de “prazer sensorial e consumo sem fim”. Se uma sociedade pode ser estruturada de forma que as pessoas possam dedicar muito de seu tempo em busca de prazeres, satisfação de desejos materiais e até mesmo drogar-se para escapar da realidade, então a persuasão e o condicionamento, ao invés da coerção física, serão suficientes para exercer um controle extremo sobre uma sociedade. Neil Postman, em seu livro Amusing Ourselves to Death (Nos Divertindo Até a Morte), contrasta bem os diferentes temores de Orwell e Huxley:
“O que Orwell temia eram aqueles que proibissem os livros. O que Huxley temia era que não houvesse motivo para proibir um livro, pois não haveria ninguém que quisesse ler um… Orwell temia que a verdade fosse escondida de nós. Huxley temia que a verdade fosse afogada em um mar de irrelevância. Orwell temia que nos tornássemos uma cultura cativa. Huxley temia que nos tornássemos uma cultura trivial… Em 1984, as pessoas eram controladas pela dor. Em Admirável Mundo Novo, eles são controlados pelo prazer. Em suma, Orwell temia que o medo nos arruinasse. Huxley temia que o que desejamos nos arruinasse.”
Neil Postman, Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business
O Ocidente, ao que parece, se encontra em uma situação um tanto análoga ao que Huxley temia. Pois, como o proverbial sapo em água fervente, os cidadãos do Ocidente aceitam intrusões cada vez maiores em suas liberdades e com pouca resistência. A coerção física evidente que Orwell pensava que seria necessária para escravizar uma sociedade provou-se até agora desnecessária. Antes de descartar completamente os temores de Orwell, no entanto, deve-se notar que Orwell estava familiarizado com a posição de Huxley e ele não negou que a sociedade hedonista que Huxley temia era uma possibilidade. Mas ele viu isso como um estágio temporário que cria as condições ideais para um regime mais brutal assumir o controle e impor sua vontade à sociedade. Resta ver se Orwell será provado correto no final. No entanto, como foi apontado, Orwell não acreditava que o totalitarismo que ele temia pudesse emergir em uma sociedade sem primeiro se tornar coletivista. Portanto, talvez o que tenha impedido seus temores de se concretizarem até agora é que o capitalismo não morreu como ele acreditava e o coletivismo ainda não emergiu totalmente no Ocidente.
Imagens usadas no vídeo
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Surveillance-camera.png
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Prime_Minister_Justin_Trudeau_(36288330285).jpg
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Vincent_Willem_van_Gogh_037.jpg
https://www.deviantart.com/art/1984-300803381
https://stevecutts.files.wordpress.com/2014/10/social_media_zombies.jpg