Aldous Huxley e o Admirável Mundo Novo: O Lado Negro do Prazer

Aldous Huxley e o Admirável Mundo Novo: O Lado Negro do Prazer

Produzido e publicado em 21 de junho de 2018 por Academy of Ideas.

Traduzido do original em inglês onde pode ser encontrado em: https://academyofideas.com/2018/06/aldous-huxley-brave-new-world-dark-side-of-pleasure/

Assista em Odysee, Bitchute ou baixe o arquivo.

Segue transcrito da tradução:

“Ninguém é mais escravizado do que aqueles que acreditam falsamente que são livres.”

Goethe

Essas palavras foram escritas por Goethe há quase 200 anos, mas talvez sejam mais relevantes em nossa época do que na dele. Muitas pessoas presumem que vivemos em uma sociedade livre simplesmente porque o Ocidente não se transformou em um inferno distópico como o retratado em 1984 de George Orwell. A tirania, a maioria das pessoas acredita, seria evidente por natureza, seria óbvio, e todos a reconheceriam. Mas é realmente esse o caso? Ou poderíamos estar vivendo em uma sociedade análoga àquela retratada por Aldous Huxley em seu romance distópico Admirável Mundo Novo. Será que a tecnologia, as drogas, a pornografia e outras diversões prazerosas criaram uma população muito distraída para notar as correntes que os prendem?

Quando Admirável Mundo Novo foi publicado pela primeira vez em 1931, Huxley não considerou o mundo distópico que ele descreveu como uma ameaça iminente. Trinta anos depois, entretanto, após a Segunda Guerra Mundial, a disseminação do totalitarismo e os grandes avanços da ciência e da tecnologia, Huxley mudou de opinião, e em um discurso proferido em 1961, fez o seguinte alerta:

“Haverá, na próxima geração ou na outra, um método farmacológico de fazer as pessoas amarem sua servidão, e produzir ditadura sem lágrimas, por assim dizer, produzindo uma espécie de campo de concentração indolor para sociedades inteiras, de modo que as pessoas de fato terão suas liberdades removidas, mas as pessoas vão curtir, porque serão distraídas de qualquer desejo de rebelião por propaganda ou lavagem cerebral, ou lavagem cerebral intensificada por métodos farmacológicos. E esta parece ser a revolução final.”

Aldous Huxley, Tavistock Group, California Medical School, 1961

No futuro, de acordo com Huxley, as classes dominantes aprenderiam que o controle de uma população poderia ser alcançado não apenas com o uso explícito da força, mas também com o método mais secreto de afogar as massas em um suprimento infinito de diversões prazerosas.

“Em 1984”, explica Huxley, “o desejo de poder é satisfeito infligindo dor; em Admirável Mundo Novo, infligindo um prazer dificilmente menos humilhante.”

Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo Revisitado

Como, pode-se perguntar, o prazer pode ser usado para privar as pessoas de sua liberdade? Para responder a esta pergunta, devemos discutir o condicionamento operante, que é um método de modificar o comportamento de um organismo.

Traduzindo: Condicionamento Operante

No século 20, o psicólogo de Harvard B.F. Skinner realizou um famoso conjunto de experimentos nos quais testou diferentes métodos de introdução de novos comportamentos em ratos. Esses experimentos trouxeram à luz como “os poderes existentes (o estado)” podem condicionar os humanos a amar sua servidão. Em um conjunto de experimentos, Skinner tentou cultivar novos comportamentos por meio de reforço positivo; ele fornecia comida ao rato sempre que ele apresentava o comportamento desejável. Em outro conjunto de experimentos, ele tentou enfraquecer ou eliminar certos comportamentos por meio de punição; ele desencadeou um estímulo doloroso quando o rato executou o comportamento que Skinner desejava eliminar.

Skinner descobriu que a punição encerrou temporariamente os comportamentos indesejáveis, mas não removeu a motivação do animal para se envolver em tais comportamentos no futuro. “O comportamento punido”, escreve Skinner, “tende a reaparecer depois que as consequências punitivas forem retiradas”. (B.F. Skinner, About Behaviorism) Os comportamentos que foram condicionados por meio de reforço positivo, por outro lado, eram mais duradouros e levavam a mudanças de longo prazo nos padrões de comportamento do animal.

Huxley estava familiarizado com os experimentos de Skinner e entendia suas ramificações sócio-políticas. Em Admirável Mundo Novo e seus trabalhos subsequentes, Huxley previu o surgimento de uma “oligarquia controladora” (Huxley) que realizaria experimentos semelhantes em seres humanos para condicionar a docilidade e minimizar o potencial de agitação civil. Skinner, como Huxley, também entendia as implicações sociais de seus experimentos, mas acreditava, ao contrário de Huxley, que o condicionamento operante poderia ser usado por engenheiros sociais para um bem maior, levando ao desenvolvimento de uma utopia cientificamente administrada. A seguinte passagem do livro Walden Two de Skinner, no entanto, revela que tal condicionamento das massas na realidade tornaria possível uma forma perniciosa de tirania – aquela em que as massas seriam escravizadas, mas se sentiriam com sendo livres.

“Agora que sabemos como o reforço positivo funciona, e por que o negativo não funciona, podemos ser mais deliberados e, portanto, mais bem-sucedidos em nosso projeto cultural. Podemos alcançar uma espécie de controle sob o qual os controlados… ainda assim se sintam livres. Eles estão fazendo o que querem, não o que são forçados a fazer. Essa é a fonte do tremendo poder de reforço positivo – não há restrição e nem revolta. Por meio de um projeto cuidadoso, controlamos não o comportamento final, mas a inclinação para se comportar – os motivos, os desejos, as vontades. O curioso é que, nesse caso, a questão da liberdade nunca se coloca.”

B.F. Skinner, Walden Two

Em Admirável Mundo Novo, a principal “recompensa” usada para condicionar a subserviência por meio de reforço positivo era uma super-droga chamada Soma. “Os Controladores Mundiais”, escreve Huxley, “encorajaram a drogadição sistemática de seus próprios cidadãos para o benefício do estado”. (Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo Revisitado) Soma foi ingerido diariamente pelos cidadãos de Admirável Mundo Novo, pois oferecia o que Huxley chamou de um “feriado da realidade” (Aldous Huxley). Dependendo da dosagem, estimulava sentimentos de euforia, alucinações agradáveis ou agia como um poderoso sonífero. Também serviu para aumentar a sugestionabilidade, aumentando assim a eficácia da propaganda a que os cidadãos eram continuamente submetidos.

Traduzindo: Asista TV, Consuma, Este é seu Deus, Conforme-se, Fique Adormecido, Trabalhe, Reproduza-se, Obedeça, Renda-se.

“Em Admirável Mundo Novo, o hábito de Soma não era um vício privado; era uma instituição política… ”escreve Huxley. “A porção diária de Soma era um seguro contra desajustes pessoais, agitação social e disseminação de ideias subversivas. A religião, declarou Karl Marx, é o ópio do povo. No Admirável Mundo Novo, essa situação foi revertida. Opium, ou melhor, Soma, era a religião do povo.”

Aldous Huxley, Brave New World Revisited

Mas os Controladores Mundiais do Admirável Mundo Novo não dependiam apenas do Soma. A promiscuidade sexual era promovida pelo Estado como outra tática para garantir que todos desfrutassem de sua servidão. O slogan “Todos pertencem a todos os outros” foi cravado na mente dos cidadãos desde jovens, e com as instituições da monogamia e da família abolidas, todos puderam saciar seus impulsos sexuais sem impedimentos. O acesso constante à gratificação sexual serviu para ajudar a garantir que os cidadãos estivessem muito distraídos para prestar atenção à realidade de sua situação.

O entretenimento sancionado pelo Estado também desempenhou um papel importante na criação do “campo de concentração indolor” do Admirável Mundo Novo. O que Huxley chamou de “distrações ininterruptas da mais fascinante natureza” foram usadas pelo estado como instrumentos de política para afogar as mentes de seus cidadãos em um “mar de irrelevância”.

Os paralelos que existem entre o Admirável Mundo Novo e as sociedades dos dias modernos são inegáveis. Em Admirável Mundo Novo Revisitado, publicado em 1958, Huxley se perguntou como os futuros engenheiros sociais poderiam convencer seus súditos a usar drogas “que os farão pensar, sentir e se comportar da maneira que [eles] achem desejável.” (Aldous Huxley, Brave New World Revisited) Ele concluiu: “Com toda a probabilidade, será suficiente apenas disponibilizar os comprimidos.” (Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo Revisitado) Hoje, estima-se que um em cada seis americanos esteja usando algum tipo de droga psicotrópica. Uma crise de opióides se espalhou pelo Ocidente. A capacidade de gratificar impulsos sexuais online levou muitos às garras do vício da pornografia; e smartphones e outras tecnologias fornecem distrações prazerosas e estúpidas que consomem a atenção da maioria das pessoas, a maior parte do dia. Até que ponto esses desvios são intencionalmente pressionados sobre nós e até que ponto eles são respostas espontâneas à demanda do consumidor, não está claro. Mas seja qual for a resposta, a realidade é que uma população distraída e emburrecida simplesmente não tem os recursos mentais para resistir à sua escravidão.

Referência ao jogo eletrônico Pokemon.

Até que o grito moderno “Dê-me televisão e hambúrgueres, mas não me incomode com as responsabilidades da liberdade” seja substituído pelo grito “Dê-me a liberdade ou dê-me a morte” (Patrick Henry), a liberdade não prevalecerá.

“Liberdade ou Morte!” Grito de guerra na revolução que culminou na emancipação dos Estados Unidos em 1776.

Em vez disso, enquanto as pessoas trocarem sua liberdade por prazeres e conforto, o tipo de condicionamento social de que Huxley alertou só se tornará mais refinado e eficaz à medida que as tecnologias avançarem e mais discernimento for obtido a respeito de como prever e controlar o comportamento humano. Se a maioria de nós será capaz de resistir a esse tipo de manipulação, ou mesmo se quisermos, resta saber.

Se as tendências atuais continuarem, a humanidade logo poderá ser dividida em dois grupos. Haverá aqueles que darão as boas-vindas à sua servidão prazerosa e aqueles que escolherem resistir a ela para conservar não apenas sua liberdade, mas sua humanidade. Pois, como o ex-escravo Frederick Douglass observou em meados do século 19, muito antes de Huxley escrever Admirável Mundo Novo, quando um escravo se torna um escravo feliz, ele efetivamente renuncia a tudo o que o torna humano.

“Eu descobri que, para tornar um escravo contente”, escreve Douglass “é necessário torna-lo um não pensante… Ele não deve ser capaz de detectar inconsistências na escravidão; ele deve ser levado a sentir que a escravidão é correto; e ele só pode ser levado a isso quando deixar de ser um homem.”

Frederick Douglass, Narrativa da Vida de Frederick Douglass

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